
Uma das ideias recorrentes na argumentação que defende a
incompatibilidade entre a ciência e a religião é a de que no ocidente,
durante a Idade Média e até ao Renascimento, não houve ciência porque a
Igreja o impediu. Esta perspectiva parece aceitar que a ciência moderna
teve início - para além da tradição islâmica –apenas no Renascimento,
como que a partir do zero, tendo a investigação científica entrado
imediatamente em conflito com a autoridade religiosa, separando-se da
sua esfera. Esta perspectiva persiste em ignorar estudos de história da
ciência que colocam em evidência as raízes medievais da ciência moderna
(Edward Grant,
Os Fundamentos da Ciência Moderna na Idade Média; id.,
Physical Sciences in the Middle Ages; David Lindberg (ed),
Cambridge
History of Science: The Middle Ages; William Wallace,
Prelude to
Galileo: Essays on Medieval and Sixteenth-Century Sources of Galileo’s
Thought).
Continua-se também a ignorar que o génio de Galileu não surgiu nem se
formou a partir do nada, e que ele manteve estreitas relações com muitos
dos seus contemporâneos Católicos, como os Jesuítas do Colégio Romano,
que tinham um observatório astronómico no qual tinha lugar investigação
do melhor nível que então se fazia na Europa, e cujos resultados
transmitiam aos seus alunos em aulas às quais assistiu o próprio Galileu
(William Wallace,
Galileo and His Sources: Heritage of the Collegio
Romano in Galileo’s Science). Ainda hoje os Jesuítas continuam a fazer
investigação de ponta a partir do Observatório Astronómico de
Castelgandolfo, e na sua secção no Arizona, Estados Unidos.
A argumentação a favor do conflito entre ciência e religião procede
também por exemplos. Galileu e o seu conflito com a Inquisição é exemplo
de citação obrigatória. Mas uma tal argumentação deve escolher
cuidadosamente os casos de conflito e ignorar os casos de não conflito.
Por exemplo, o Jesuíta Ruger Boskovic (1711-1787) é considerado um dos
precursores da moderna teoria atómica da matéria e o Padre Georges
Lemaître foi quem primeiro sugeriu o que mais tarde viria a chamar-se a
teoria do Big Bang sobre a origem do universo (
The Primeval Atom).
Nenhum deles criou qualquer conflito com as autoridades religiosas, mas estes exemplos são cuidadosamente ignorados porque deitariam facilmente por terra toda a argumentação dos não crentes. Os crentes sabem que a questão é complexa, mas para os não crentes tudo parece muito simples e evidente.